Qual é o maior desafio para uma equipe de desenvolvimento de jogos?
Em uma época onde o entretenimento digital está em alta, adentrar no mercado de games em uma empresa de renome já é um desafio por conta própria hoje. Mas, voltemos no tempo... dez, vinte anos, para repensar sobre o que é necessário não só para manter seu nome na indústria, como também o tornar relevante ao ponto de ser uma referência de qualidade e dedicação.
Há alguns nomes que se destacam nessa categoria, mas um deles ganhou notoriedade por fazer o que muitos consideram o maior desafio na direção e produção de um jogo: levá-lo de um lançamento fracassado para um sucesso mundial que já dura uma década - Naoki Yoshida.
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Também conhecido como Yoshi-P, o diretor e produtor de Final Fantasy XIV, e produtor do título mais recente da série, Final Fantasy XVI, foi premiado na Brasil Game Show com o Lifetime Achievement Award. Hoje, nos aprofundaremos em como sua visão e esforço tornaram de FFXIV uma das referências de MMORPGs da última década, e lhe garantiu o tradicional prêmio pela sua colaboração na indústria de games.
O lançamento conturbado de Final Fantasy XIV
Você já ouviu falar do MMORPG aclamado pela crítica, Final Fantasy XIV, com um teste gratuito expandido onde você pode jogar o A Realm Reborn inteiro, além da expansão premiada Heavensward e a também premiada expansão Stormblood até o nível 70 gratuitamente, sem restrições de tempo de jogo?
A frase acima é um meme conhecido da comunidade de Final Fantasy XIV, jogo que hoje conta com mais de 40 milhões de contas registradas e quatro expansões ao longo de dez anos, com a quinta, Dawntrail prevista para sair em 2024. O título é também um dos produtos mais lucrativos da Square Enix.
Quem vê o seu sucesso estrondoso mal consegue imaginar que, em seu lançamento, FFXIV foi um dos títulos mais criticados e mal-recebidos da franquia. O título, nomeado hoje como Final Fantasy XIV 1.0 tinha uma nota média de 4.8 no Metacritic, e sofria com diversos problemas de desempenho, interface de uso e, segundo o próprio Naoki Yoshida, uma falta de entendimento sobre o que o jogo precisava para competir com outros MMORPGs da época.
Para muitos, a versão inicial de FFXIV parecia uma demo técnica, com muito foco em aspectos visuais e pouca ou nenhuma substância para manter o jogador engajado. A falta de conteúdo, as escolhas questionáveis de design, o esforço excessivo para ganhar níveis com um sistema de fadiga e a falta de recursos mais intuitivos faziam o título parecer um jogo datado, preso nas raízes do seu antecessor, Final Fantasy XI, mas negligenciando tanto a transição de gerações quanto os aspectos que tornaram de FFXI um sucesso.
A Fantasia Renascida
Em novembro de 2010, pouco menos de dois meses após o lançamento oficial de Final Fantasy XIV, Yoshida, então diretor de jogos da série Dragon Quest, recebeu um e-mail com um pedido de que ele trabalhasse como diretor, e pela primeira vez em sua carreira, produtor, do então desastroso FFXIV para salvar o título. Após avaliar que os problemas do jogo estavam no núcleo do produto, o desafio estava posto: ele e sua equipe teriam de refazer Final Fantasy XIV do zero, em uma janela de pouco mais de dois anos de desenvolvimento.
Se já não fosse complicado o bastante realizar um trabalho com pouco mais de metade do prazo estabelecido para um lançamento dessa escala e tamanho, a equipe de Yoshida decidiu continuar a produzir conteúdo para o jogo original - foi criado um fluxo de trabalho em conjunto, com um método onde o design, servidores, gráficos e conteúdos fossem desenvolvidos simultaneamente.
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Outra mudança crucial com sua liderança foi a decisão de dar postos-chave para aqueles que já tinham experiência em trabalhar com MMOs. Assim, ele não só poupou tempo, como também garantiu que elementos cruciais e indispensáveis de jogos do mesmo gênero não fossem negligenciados no relançamento.
O ponto mais importante no desenvolvimento do título que se tornaria A Realm Reborn, e que torna da experiência de Final Fantasy XIV tão especial até hoje, foi a conexão com o público. Yoshida e sua equipe liam ostensivamente o feedback dos fãs na Internet para discutir quais opções são viáveis ou benéficas de implementarem no relançamento, além da então ousada iniciativa de fazer comunicados e transmissões ao vivo para conversar sobre alguns detalhes do novo título para não só manter a transparência com seu público, como também para mantê-los engajados e ansiosos para atualizações, que duraram até os servidores da versão base do jogo ser desligada em 31 de dezembro de 2012.
Final Fantasy XIV: A Realm Reborn foi lançado em 27 de agosto de 2013, e foi bem-recebido tanto por público quanto por crítica, com uma média de 86 pontos na crítica especializada, e 7.9 nas avaliações dos jogadores. Seu sucesso estrondoso atraiu milhões de jogadores para experimentarem a nova versão ao longo dos anos, e chegou ao ponto da Square Enix precisar suspender a venda do jogo e a criação de novas contas em 2021, por conta da superlotação dos servidores após o lançamento da expansão mais recente, Endwalker.
"Nunca esqueçam dos fãs. Sem eles, não haveria 'nós'."
Este foi um dos quatro pontos apresentados pelo próprio Yoshi-P em um painel da Games Developers Conference, em 2014. Na época, o produtor apresentou algumas das lições que aprendeu ao trabalhar em A Realm Reborn, e deixou claro que o apoio dos fãs é um dos ingredientes essenciais para o sucesso de um título. Para ele, dirigir um MMORPG é como governar um país, e os fãs são aliados que, em troca do seu feedback, recebem respostas honestas sobre a viabilidade de tais recursos para os seus jogos.
Sua capacidade de estabelecer vínculos com seus jogos e os fãs de suas obras é um dos pontos que o destaca na comunidade de Final Fantasy. Seja com suas lives que duram horas, ou presencialmente em festivais e eventos, Yoshi-P demonstra disposição de ouvir e entender o feedback do seu público, e seu entendimento do que eles querem vai além do desenvolvimento dos seus jogos: por exemplo, com o Meet & Greet limitado para 60 pessoas a cada dia, Yoshida e Koji Fox, diretor de localização de Final Fantasy XVI, decidiram realizar um segundo evento extra no último dia da Brasil Game Show para atender a mais fãs que estavam ali, ao invés de participarem do BGS Talks - logo, aqueles que já haviam perdido a primeira oportunidade de conhecê-los e tirar uma foto com eles, ganharam uma segunda e inesperada chance.
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Essa conexão com seu público, que o torna uma espécie de superestrela para os fãs de FFXIV, também faz com que ele seja uma inspiração para muitas pessoas. Não são poucos os relatos de pessoas cujas vidas foram positivamente afetadas por Final Fantasy XIV, como exemplificado até em obras da dramaturgia, como a série da Netflix Dad of Light, que conta uma história baseada em eventos reais sobre a reaproximação de um pai e um filho, através do jogo - e todo escritor, desenvolvedor, ou roteirista sonha em ver seus trabalhos criarem boas experiencias e mudanças significativas na vida das pessoas.
Final Fantasy XVI: A busca por identidade e desenvolvimento harmônico
Quando anunciado oficialmente em setembro de 2020, Final Fantasy XVI elevou as expectativas por conta da sua equipe de desenvolvimento onde, dentre eles, constava o nome de Naoki Yoshida no cargo de produtor do novo título.
Lançado em 22 de junho, FFXVI traz consigo alguns dos fundamentos essenciais que Yoshi-P aplicou na criação de A Realm Reborn: a prioridade em diversão, o foco em tentar surpreender e impressionar, e o respeito às raízes (mesmo esse sendo um tópico de debate recorrente) estão presentes no título - e como menciono no meu review, há familiaridade em diversos aspectos desde a primeira hora.
Final Fantasy sofreu de uma crise de identidade e problemas recorrentes de desenvolvimento desde Final Fantasy XII, lançado em março de 2006. Não houve um título principal posterior que não passasse por atrasos e/ou fosse alvo de polêmica desde então, e esses percalços são sentidos pelos jogadores na entrega do produto final - o caso mais recente, Final Fantasy XV, passou por anos de produção pós-lançamento, fosse com atualizações ou na forma de DLCs, para se tornar uma experiência que não soasse confusa e cortada pela metade.
Esse histórico de mais de uma década parece ter sido cortado pela raiz com Final Fantasy XVI. O jogo saiu na data prevista, não teve problemas de desenvolvimento que se tornaram públicos e/ou que criaram falhas não-intencionais no produto, e o jogo entregue, apesar de receber críticas e não agradar toda categoria de fã, parece ser exatamente o que Yoshida e o restante da equipe visionaram para FFXVI.
Quebrar uma 'maldição' da franquia que durava quase 17 anos é mais um marco no histórico do Yoshi-P, e outro ponto que evidencia o sucesso da sua carreira, e prova da confiança mútua entre ele e as equipes responsáveis pelo desenvolvimento dos seus jogos.
Um prêmio mais que merecido
Segundo a Brasil Game Show, Naoki Yoshida foi homenageado e recebeu o Lifetime Achievement Award devido à sua contribuição ao longo dos anos para a indústria dos games, especialmente para o RPG. Como constatamos acima, poucas pessoas no seu ramo conseguem estabelecer uma carreira tão marcante e que o torne tão popular entre fãs dos jogos em que ele trabalhou.
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Diversos títulos nunca se recuperam de um lançamento fracassado, e no ramo dos MMOs, essa linha é ainda mais tênue por conta da alta oferta de jogos disponíveis no mercado. Manter uma base de fãs engajadas mesmo quando tudo parece afundar na lama foi um desafio sem precedentes, e o fato do Yoshi-P enfrentar tal desafio e suceder ao ponto de Final Fantasy XIV se tornar o fenômeno mundial que é hoje o torna uma figura histórica na indústria dos games, e mais do que merecedor do prêmio recebido aqui no Brasil.
Com o lançamento da expansão Dawntrail prevista para 2024, e o anúncio de duas DLCs para Final Fantasy XVI, ainda ouviremos falar muito sobre ele e seus trabalhos posteriores para a Square Enix!
Obrigado pela leitura!
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